Dias difíceis para a liberdade de expressão no Brasil. Um jornal é condenado por publicar a remuneração de um juiz. Um músico, MC Poze, é investigado por suas letras. Finalmente, um humorista, Léo Lins, é condenado a 8 anos de prisão por suas piadas. É um índice de nossa polarização o fato de que, via de regra, quem é contra a condenação do humorista é a favor da prisão do músico e vice-versa. Direita e esquerda se espelham: de diferentes lados, a liberdade de expressão está em xeque.
TIPO EUA – Neste momento cabe um alerta: muitos dos indignados com a condenação de Léo Lins defendem que o Brasil deveria ter a liberdade de expressão dos EUA, onde é permitido ser abertamente racista, nazista, etc. Podemos discutir os prós e contras desse modelo, mas o fato é que essa não é a lei brasileira. Aqui, a liberdade de expressão tem mais limites, especialmente quando ofende grupos historicamente subalternizados. Aceito isso e inclusive defendo nossa lei: penso que, se um “humorista” fizer de seu show um palanque de discurso de ódio e perseguição a algum grupo, deveria sim receber uma sanção. Mesmo assim, a prisão de Léo Lins é injusta. E a comparação com outros países nos mostra o quão aberrante foi a sentença.
PENA EXAGERADA – França, Alemanha, Inglaterra. Todos esses têm leis contra discurso de ódio; nenhum desses trancafia humoristas provocadores, e muito menos por 8 anos. A França tem o caso mais emblemático: o humorista Dieudonné M’bala M’bala transformou seu stand-up basicamente num palanque antissemita. Chamou historiador negacionista do Holocausto em seu show. Já lamentou que um jornalista judeu não tenha morrido na câmara de gás.
Ou seja, um discurso de ódio focado, reiterado e com clara intenção de estigmatizar um grupo. Sua punição? Além de indenizações em processos civis das pessoas que ele ofendeu especificamente, a pena máxima que já levou foi uma prisão de 2 meses, prontamente suspensa, servindo mais como ameaça se voltasse a cometer algum crime.
NÃO HAVIA DOLO – No caso de Léo Lins, sua pena foi maior do que a de estupradores, graças a uma acusação que não fez o básico: ao contrário de M’Bala, não havia o dolo, ou seja, a intenção de discriminar ou incitar a discriminação.
“Sou totalmente contra a pedofilia, sou mais a favor do incesto. Se for abusar de uma criança, abusa do seu filho. Ele vai fazer o quê? Contar para o pai?”. Difícil imaginar algo de mais mau gosto. E, no entanto, alguém acha que Léo Lins queira incitar a pedofilia, ou ainda que, no contexto de seu show, os espectadores se sintam incentivados a praticá-la? É claro que não. A persona de um humorista no palco, assim como a de um músico em seu show, não se confunde com a pessoa real que existe fora dali.
METRALHADORA DE PIADAS – Seu show é uma metralhadora de piadas contra grupos com os quais não se pode brincar —negros, gays, deficientes, cristãos, crianças, judeus, policiais, gordos—, justamente para testar os limites do discurso, dar à plateia o gosto do proibido, fazer o público ficar mal até consigo mesmo. Piadas podem sim ser a arma para discriminar e humilhar. Nesse caso, não eram. Vivemos numa época moralista, que tem dificuldade em lidar com diferentes registros do discurso, que está sempre ansiosa para condenar. O eu-lírico e a persona de palco foram abolidos no furor popular. Mesmo assim, a Justiça não deveria se deixar levar, pois dar 8 anos de prisão para Léo Lins é um absurdo.
Drykarretada!