
A divergência em torno de como classificar organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV) – se como facções ou grupos narcoterroristas – foi um dos pontos de atrito que ficaram evidentes na entrevista conjunta do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), com o ministro da Justiça de Lula, Ricardo Lewandowski, na última quarta-feira (28). Mas embora apresente apenas uma questão de nomenclatura, ela pode ter repercussões políticas nada desprezíveis.
É assim que a polícia do Rio de Janeiro é recebida por criminosos: com bombas lançadas por drones. Esse é o tamanho do desafio que enfrentamos. Não é mais crime comum, é narcoterrorismo”, escreveu Castro em uma postagem na rede social X na terça (28), ao comentar a megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, que deixou 121 mortos segundos dados oficiais.
REPERCUSSÃO INTERNACIONAL – A expressão foi repetida por auxiliares como o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, na coletiva de imprensa feita na manhã da última quarta – quando já sabia se que a letalidade da operação era muito mais grave do que o divulgado na véspera e as imagens de amostras de corpos enfileirados em uma praça vizinha aos complexos corriam o mundo.
Hoje essa denominação não encontra amparo na Lei Antiterrorismo brasileira – realidade que a direita bolsonarista tenta mudar reformando a lei. A ideia de equiparar organizações como o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC) a grupos terroristas se inspirou na linha imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por meio de um decreto executivo para os cartéis do México e, posteriormente, a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela como justificativa para seus ataques a embarcações no mar do Caribe e o posicionamento de frotas navais naquela região.
Em maio deste ano, inclusive, um enviado dos EUA esteve no Brasil para defender que o governo brasileiro adotasse a mesma postura, o que foi rechaçado pela Polícia Federal. O posicionamento da PF – principal agente de combate ao crime organizado no país – e do Itamaraty se fundamenta no temor de que a mudança abra a margem para avaliações americanas contra o Brasil, aos moldes do que ocorre com o Irã, caso os EUA argumentem que o país não tem feito o suficiente para combater organizações como o CV e o PCC.
TROCA DE FARPAS – Por esse motivo, a narrativa do governo do Rio não passou despercebida em Brasília. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que já havia trocado farpas com Cláudio Castro sobre blindados da Marinha que não foram cedidos pela União, aproveitou uma reunião com o governador no Palácio Guanabara para firmar a posição da gestão petista sobre a questão – ou seja, o atual formato da Lei Antiterrorismo.
Durante uma coletiva de imprensa ao lado de Castro e autoridades de segurança pública do estado, Lewandowski buscou separar as duas definições. “Uma coisa é terrorismo, fora são facções criminosas. O terrorismo envolve sempre uma nota ideológica, uma atuação política, repercussão social e fatores ideológicos. Já as facções criminosas são incluídas por grupos que sistematicamente praticam crimes previstos no Código Penal”, afirmou o ministro. “É muito fácil identificar o que é uma facção criminosa. Já o terrorismo envolve uma avaliação mais subjetiva”.
Lewandowski também criticou indiretamente as mudanças discutidas na Câmara dos Deputados que podem alterar a definição atual: “Da parte do governo federal, não temos nenhuma intenção de fazer uma mistura desses dois tipos de atuação. Até porque, dificultaria muito o combate a esses tipos de crimes, que são claramente distintos no que diz respeito à sua atuação e atuação”.
RELATORIA – Em Brasília, o projeto que busca mudar a Lei Antiterrorista seria relatado pelo bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). O deputado mineiro, porém, cedeu a função ao atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), que se licenciará do cargo no início de novembro apenas para retomar o mandato na Câmara relatar o texto e defender as alterações.
Seu chefe, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), já defendeu abertamente a equiparação do PCC a grupos terroristas. A organização criminosa tem o estado como seu berço. A declaração apresentou no contexto da execução cinematográfica de Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, delator da facção, no Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Presidenciável como Tarcísio, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), saudou a atuação de Cláudio Castro durante uma reunião remota entre governadores de direita na última quarta-feira e aderiu ao mesmo figurino. “Mais uma vez, as forças policiais do estado têm de enfrentar sozinhas essas facções terroristas”, declarou em tom de lamento.
PRESSÃO DOS EUA – O assessor do Departamento de Estado dos EUA David Gamble é direcionado ao Brasil com o intuito de discutir “organizações criminosas transnacionais” e “programas de avaliação dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas”. No entanto, nenhum representante da Polícia Federal aceitou encontrar o enviado de Donald Trump. A proposta já havia sido feita pela diplomacia americana em reuniões preliminares em março passado, em que participaram membros da PF e do Ministério Público de São Paulo.
No encontro que antecipou a vinda da delegação de Gamble, o racha entre as instituições brasileiras ficou evidente, segundo uma fonte da cúpula da Polícia Federal. A proposta é defendida por setores do Ministério Público voltados para o combate às organizações criminosas – entre seus expoentes está o promotor Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-SP e jurado de morte do PCC.
Ponto de Vista: Desculpem, mas a meu ver as facções e milícias devem ser consideradas terroristas, porque não aceitam a autoridade do Estado, atuando como se fossem os próprios governantes, não obedecem a lei alguma, não pagam imposto, caracterizam-se pela opressão, pela barbárie e pelo desrespeito aos direitos humanos. Se tudo isso não for o bastante para ter a classificação de terrorista, podemos citar o fato de que esses criminosos não têm pátria. (C.N.)
Drykarretada!